Última atualização em 14/01/2024, 11h49min por A Trombeta
Em um nostálgico eco do passado, os carros de boi, outrora os robustos motores da agricultura brasileira, permanecem como testemunhas de uma era agrícola ancestral. Durante séculos, esses veículos de tração animal desbravaram os campos, conduzindo cargas valiosas em um Brasil que ecoava o ritmo tranquilo de seus rastros profundos no solo e o “cantar” melancólico de seus rodantes.
No entanto, a história evoluiu, e a transição para uma era movida a engrenagens metálicas marcou uma revolução na agricultura. Com o advento das máquinas, especialmente a partir do século XX, as paisagens agrícolas do Brasil viram a ascensão de tratores, colheitadeiras e implementos mecanizados. Como tantos brasileiros de todos os estados da federação, Ilson Belucci, de 80 anos, também viu de perto essa mudança. Mais ainda. Protagonizou.
Nestes dois mundos, nem tão distantes, Ilson, o “Itcho”, contou um pouco dessa história. Sexto filho de oito irmãos, (Isaura, Rosa, Agenor, Gloria, Waldemar, Ilson, Claudomiro e Aparecida) do casal Antônio (Totó) e Assunta, concluiu o cigarro de palha que estava fazendo e salientou, que ainda tem a lembrança de quando o traçado da Rodovia Washington Luís cortou as terras do Capa Preta com destino aos fins dos sertões de Araraquara. Seu pai era carreiro e lidava com cinco juntas de bois no transporte de quase tudo. Frequentemente Totó fazia o trecho entre Agulha a Taquaritinga e era conhecido por todos as vilas e colônias que passava. Com isso foi juntando dinheiro e investiu em terras plantando café. Com as plantas aumentado a produção era chegada a hora de comprar um trator. Um Massey-Harris movido a gasolina foi a primeira máquina agrícola que entrou nos cafezais dos Belucci.
“Mesmo tendo o trator eu e meu irmão Agenor prestávamos serviço de aragem de terras com os bois” lembrou Itcho. Em meados do século XX a mecanização agrícola ainda era muito incipiente e o trabalho tinha de ter a ajuda dos bovinos, equinos e muares. Mas eram os bois carreiros que detinham a força e sempre estavam na vanguarda no manejo do solo. Mais terras adquiridas e mudas de café foram plantadas com o apoio dos irmãos, irmãs e meeiros. Já na década de 1960 Totó Belucci adquiriu uma nova máquina: um trator Deutz 55, movido a diesel e refrigerado a ar, ano 1964. Tecnologia alemã desenvolvida durante as guerras que fora adaptada e aplicada na agricultura. Os Belucci compraram o trator da empresa catanduvense Theodoro Becker Comercial Ltda, representante dos tratores Deutz para o interior de São Paulo.
A fazenda prosperava e em seus 108 alqueires, os 52 mil pés de cafés floresciam e frutificavam. Até que um dia, uma grande geada atingiu em cheio a região sul do Brasil, chegou com menor intensidade, mas foi o suficiente para “queimar” todo o cafezal dos Belucci e de outros cafeicultores do Estado de São Paulo. O desapego, a compra de outras terras em outros estados, o acerto com os bancos, a venda dos tratores e arados, o abandono dos carros de bois sob a sombra do jequitibá, a luta para educar os filhos, a mudança para a cidade…
As memórias do homem da roça ecoam como cânticos suaves de pássaros ao amanhecer. Ele recorda os alvoreceres dourados, quando o sol despertava a paisagem e pintava o céu de tons que só quem viveu no campo pode compreender. “Cada amanhecer era uma obra de arte única. Hoje, até que vivemos bem na cidade, mas parece que o sol está sempre apressado e tudo é muito rápido” reflete Itcho.
Hoje morando com a esposa Shirlei na pequenina Agulha, além do orgulho de ter formado o filho José Antônio em engenheiro, tem como alegria o resgate de algumas peças que o remete ao seu passado: um carro de boi de pequeno porte que fora de propriedade da família; e, um trator Deutz DM 55, similar ao que tanto trabalhou, junto de seus irmãos, que exceto o Claudomiro, todos já faleceram. Posou para fotos junto aos dois veículos. Deu partida no Deutz para checar o som do motor. Desligou. Apeou. Voltando para a sombra pegou uma binga e acendeu o cigarro de palha. É isso.
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