CAÇADORES DE VAMPIROS

CAÇADORES DE VAMPIROS

Última atualização em 17/01/2021, 13h57min por A Trombeta

Vampiros: Não podemos exterminá-los. Apenas controlá-los

Por José Saul Martins*

Histórias de vampiros são contadas desde a antiguidade. No entanto, a narrativa deste conteúdo está relacionada ao morcego hematófago que tem uma alimentação exclusiva de sangue e, por isso, ficou conhecido como morcego-vampiro. É ele, também, o transmissor da raiva. A característica de se alimentar com sangue levou o morcego, as histórias de vampiros. 

Apesar de muitas culturas possuírem lendas sobre os morcegos-vampiros, se tornaram parte integrante das tradições populares sobre vampiros, quando foram descobertos na América do Sul, no século XV. Embora não existam morcegos vampiros na Europa, os morcegos noturnos e corujas, há muito, são associados com presságios e o sobrenatural.

As três espécies de verdadeiros morcegos-vampiros estão restritos a América Latina, e não há nenhuma evidência de terem parentes no Velho Mundo. Por este motivo é impossível que o vampiro da tradição popular represente uma versão distorcida ou memória longínqua do morcego-vampiro. Estes morcegos foram nomeados deste modo devido ao vampiro folclórico, e não o inverso.

Mas por que caçadores de vampiros?

 Aí entra uma história real e nada tem a ver com os romances sobre os vampiros famosos tratados pela literatura e cinema. Trata-se do Programa Estadual de Controle da Raiva dos Herbívoros, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo desenvolvido pela Coordenadoria de Defesa Agropecuária – CDA – que periodicamente busca abrigos de morcegos Desmodus rotundus.

O Programa Estadual de Controle da Raiva dos Herbívoros visa proteger os rebanhos suscetíveis à “raiva”, mediante vacinação, controle dos transmissores e do trânsito de animais, desenvolver sistema eficaz de vigilância epidemiológica e estimular a participação comunitária na defesa sanitária animal, diminuindo o agravo à produção pecuária e preservando a saúde pública.

A raiva é uma zoonose causada por um Rabdovirus neurotrópico, sendo suscetíveis todos os mamíferos, inclusive os silvestres e os exóticos (javalis e javaporco). Apresenta distribuição geográfica cosmopolita, lesões de natureza de poliencefalomielite linfocitária e sintomas de excitação e paralisia de diversas naturezas e sempre fatal. Na raiva dos herbívoros a fonte de infecção mais importante é o morcego hematófago da espécie Desmodus rotundus.

Conforme dados da CDA houve um aumento em 87% nos casos de raiva comparando 2016 e 2017. Foram 196 casos positivos em bovinos, equinos e ovinos em 2017, contra 105 do ano anterior. Este ano, os números continuam altos, de janeiro até meados de junho houve 101 casos positivos de raiva em bovinos, equinos e suínos, além de dois casos em cães e gatos.

Segundo Paulo Fadil, médico veterinário responsável pelo programa, a raiva causa prejuízos aos produtores, pela morte de animais. Para o Estado, os prejuízos decorrem de gastos com diagnósticos, vacinas e pessoal que atua na prevenção da doença. Para a comunidade internacional a doença é um fator de depreciação do nosso produto. Sendo uma zoonose, representa sérios riscos à saúde pública. Embora as notificações de raiva humana serem raras, recentemente, no Amazonas, em uma mesma família, três crianças foram vítimas da doença, duas fatais e uma ainda internada em estado gravíssimo.

 Os caçadores

Acompanhamos no munícipio e região de Avaré, no centro sul do Estado de São Paulo, entre os dias 11 e 13/06, uma equipe de técnicos da Coordenadoria de Defesa Agropecuária, participantes do Programa Estadual de Controle da Raiva dos Herbívoros. A presença dos técnicos em Avaré aconteceu devido a uma notificação recente de raiva animal em bovino.

Por se tratar de um trabalho bastante específico e habilidades técnicas apuradas, o recrutamento dos funcionários públicos acontecem em diversos Escritórios de Defesa Agropecuária (EDA) de várias regiões de São Paulo.

O encontro dos “morcegueiros”- como se auto intitulam os técnicos que atuam no programa – aconteceu na Casa da Agricultura, no dia 11 de junho, no centro da cidade de Avaré, no período da manhã e os trabalhos de campo começaram no dia 12 de junho.

 A força tarefa em Avaré consistia basicamente em inspeção de “perifoco” e revisita a abrigos cadastrados com ocorrências do Desmodus. O “perifoco” é a varredura completa, num raio de cinco quilômetros, do local que foi notificado o caso de raiva. Nessa varredura os agentes visitam propriedades em busca de abrigos naturais (cavernas, árvores ocadas, etc.) e artificiais (bueiros, casas abandonadas, pontes, etc.).

 No dia 12 de junho acompanhamos uma equipe que estava fazendo um recorte do “perifoco” e dezenas de possíveis abrigos foram vistoriados, mas não foi encontrada nenhuma ocorrência de habitat do morcego-vampiro. Durante essas visitas os agentes também entrevistam sitiantes e seus funcionários orientando sobre os problemas e medidas preventivas da raiva e possíveis paradeiros do Desmodus.

Apesar da possibilidade de todos os morcegos transmitirem raiva, o controle é feito apenas com o Desmodus. Por ser hematófago se alimenta de sangue e, nesse contato, se estiver com o vírus da doença contamina os animais “mordidos”.

Os especialistas disseram que um dos grandes problemas com a raiva é a subnotificação, quando proprietários rurais por medo de supostas retaliações não comunicam aos órgãos oficiais quando um animal é morto pela doença.

 A captura

No dia 13 de junho duas equipes de técnicos foram checar um abrigo cadastrado no município de Iaras, vizinho de Avaré.

Após percorrer em uma estrada de terra batida por mais de 20 quilômetros chegamos ao aterro de uma grande represa artificial com passagem para apenas um veículo. O abrigo em questão era um dreno desativado de tubos de concreto com aproximadamente 80 centímetros de diâmetro. MaiKel e Rodrigo, dois especialistas da equipe foram checar a saída do tubo em busca de Rotundos. Deu positivo.

O lado direito da represa é composta de pequenas propriedades de um assentamento rural de grande proporção denominado Zumbi dos Palmares, com mais de 358 famílias distribuídas em 4.000 alqueires. A esquerda do lago pode-se avistar uma propriedade com pastagens salpicadas de bovinos nelores. Prato cheio e apetitoso para os vampiros. Abaixo da represa seguindo o que seria o fluxo natural das águas, um médio capão de mata nativa cobrindo toda a extensão do aterro de aproximadamente mil metros. Local perfeito para os pequenos mamíferos alados: comida, água, árvores e até um abrigo artificial, que aquele dia estava sendo vistoriado para o azar deles.

Ismael e Irineu, os outros dois agentes começaram então a apanhar as tralhas nos veículos. Foi decidido entre eles que quem entraria no tubo de concreto seria o Ismael e o Rodrigo. Macacão, pantaneira com botas, capacete com lanterna de LED acoplada, máscara, luvas de raspa de couro. A pantaneira é uma calça com cós alto feito de material impermeável acoplada a uma bota de borracha que serve para proteger os membros inferiores e abdômen, de ataques dos morcegos e outros animais peçonhentos que por ventura os agentes encontrem pelo caminho.

Antes de acessar o abrigo foi montada uma rede na entrada do tubo para os bichos não fugirem. A intenção dos técnicos é desalojar os morcegos do esconderijo e ao saírem se enrosquem na rede e assim capturados com vida. Maikel ficou na parte de dentro ajudado por Irineu desenleando os  vampiros da armadilha e guardando-os numa pequena gaiola de arame. Dos que estavam no abrigo apenas três escaparam e voaram pela mata.

Após a captura os morcegos recebem nas costas uma pasta vampiricida a base de vaselina e warfarina, um anti coagulante que causa hemorragia (derrame), não apenas nos capturados, mas também em outros indivíduos da colônia, devido ao hábito que bichos tem de se lamberem mutuamente. Naquele dia foram capturados e “tratados” 42 morcegos, sendo 19 machos e 23 fêmeas e era um abrigo maternidade, quando o grupo é formado por machos, fêmeas e filhotes. Também tem os abrigos satélites, normalmente compostos por  pequenos grupos de morcegos machos que foram expulsos das colônias pelos machos dominantes. É comum esses morcegos excluídos formarem uma nova família com assédio a fêmeas desagrupadas.

Outra forma de usar a pasta vampiricida é usar nas imediações das feridas dos animais atacados, pois os vampiros retornam a mesma fonte de alimento e se lambuzam com pomada. Os técnicos disseram que as pessoas não devem matar e manusear os morcegos, nem mesmo os frutíferos, porque também podem conter o vírus da raiva. Quando houver ocorrência de morcegos, principalmente os hematófagos, deve ser comunicado as autoridades de zoonoses.

*José Saul Martins é jornalista e criador do jornal e site A Trombeta

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