Última atualização em 19/05/2024, 5h38min por A Trombeta
Por: Mônica Nunes*
01/05/2024
A primeira vez em que escrevi sobre a bióloga Fernanda Abra, foi para contar, aqui no Conexão Planeta, que ela havia sido reconhecida pelo Future for Nature Awards, um dos prêmios de meio ambiente mais importantes do mundo, por seu trabalho para reduzir atropelamentos e mortes de espécies de mamíferos brasileiros nas rodovias.
Agora, cinco anos depois, ela está entre os cinco vencedores da edição 2024 do Prêmio Whitley, concedido há 30 anos pela organização britânica Whitley Fund for Nature (WFN) e considerado como o “Oscar da Conservação da Natureza” (saiba quem são os outros eleitos no final deste post).
Fernanda dedica sua vida a buscar e implementar soluções para salvar animais silvestres de atropelamentos em rodovias que cortam os biomas brasileiros.
Pós-doutoranda pelo Zoológico Nacional e Instituto de Biologia de Conservação do Smithsonian, nos Estados Unidos, é pesquisadora associada do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e professora da ESCAS, escola do Instituto, e colabora com projetos da instituição com o mesmo foco: proteger a fauna silvestre do impacto das rodovias.
Com este prêmio, Fernanda é reconhecida pelo trabalho pioneiro que desenvolve com o Projeto Reconecta, que visa restaurar a conectividade da Floresta Amazônica [para a fauna] por meio de pontes construídas com dossel de baixo custo (foto de destaque) – até agora, são 30! – sobre a rodovia BR-174, uma das que cortam a Amazônia entre os estados do Amazonas e Roraima: liga Manaus à Boa Vista. Ao mesmo tempo, o projeto monitora mamíferos arborícolas (macacos).
Apenas em 2022, as pontes artificiais foram usadas por oito espécies arbóreas, incluindo o sagui-de-mão-dourada, importante símbolo cultural do povo Waimiri-Atroari, que participa ativamente como parceiro do projeto.
“Para mim, trabalhar com conservação de espécies sempre teve muito a ver com adequar o ambiente das rodovias, para que fossem menos impactantes para a fauna. Dediquei minha carreira entendendo como reduzir esse impacto para animais terrestres, e esse é um assunto complexo”, conta ela.
“Quando pude ampliar meus estudos, decidi fazer isso com animais que usam árvores para se locomover e passei a realizar esse projeto, criando pontes em dosséis florestais. No Projeto Reconecta, uni a conservação aplicada a um projeto de pesquisa, criando passagens de fauna de baixo custo e monitorando para entender se as pontes reduzem o impacto dos atropelamentos para algumas espécies e, também, se reduzem a barreira imposta pela rodovia para conectividade florestal”, acrescenta.
O projeto de Fernanda, reconhecido pelo Whitley Fund for Nature, prova que os animais estão, realmente, se beneficiando dessas travessias, que é um modelo barato e pode ser replicado em outras áreas da Amazônia e biomas florestados do Brasil.
A bióloga já tem planos de, ainda em 2024, construir passagens para o mico-leão-preto na Mata Atlântica, junto ao IPÊ (a pesquisadora à frente do projeto de conservação dessa espécie, Gabriela Rezende, foi eleita uma das 11 mulheres pioneiras da conservação mundial pelo Disney Conservation Fund, como contamos aqui).
“Fiquei muito honrada com esse prêmio! Primeiro, porque vou poder ampliar as ações na Amazônia e, segundo, porque pude contar com apoiadores super comprometidos, como o povo indígena Waimiri-Atroari, o IBAMA, o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte), o Instituto IPÊ, a UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e a Smithsonian Institution. Precisamos de mais instituições e órgãos interessados em criar modelos de rodovias mais sustentáveis para a fauna”, destaca.
Hoje, Fernanda Abra e outros quatro pesquisadores recebem o Prêmio Whitley das mãos da Princesa Anne (imagem de capa), em cerimônia na Royal Geographical Society. O evento foi transmitido ao vivo pelo YouTube do prêmio, a partir das 16h, no horário de Brasília (ficou gravado), e ainda celebrou os 30 anos do prêmio e os 25 anos de envolvimento de Anne como patrona.
Ao anunciar os vencedores, o Fundo revelou que Sir David Attenborough, embaixador da WFN e apoiador de longa data da instituição, disse que a crescente rede de vencedores representa alguns dos líderes de conservação mais impressionantes do mundo. “Os vencedores do Prêmio Whitley combinam o conhecimento de como responder a crises, mas também trazem consigo comunidades e públicos mais amplos”.
O país mais biodiverso é um dos que mais tem rodovias no mundo!
O Brasil é o país mais biodiverso do mundo em espécies de fauna, mas 40% das espécies de primatas estão ameaçadas de extinção devido à fragmentação de florestas e aos impactos causados por rodovias, sendo estas as principais ameaças que enfrentam.
O país já possui a quarta maior malha rodoviária do planeta e boa parte das rodovias atravessa ambientes naturais. Mas o governo federal quer mais! No ano passado, anunciou programa de gastos de 1 bilhão de reais para impulsionar a infraestrutura, que inclui a construção de novas rodovias.
Além disso, em pesquisa encaminhada por Fernanda Abra, somente no Estado de São Paulo, a estimativa é de que, em média, morram mais de 39 mil mamíferos silvestres todos os anos, vítimas de atropelamentos.
Um cenário absurdo que torna o Projeto Reconecta essencial em todos os biomas.
O projeto
Segundo Fernanda, a chave para o sucesso do Projeto Reconecta foi conquistar o apoio do povo indígena Waimiri-Atroari, que vive em 2,3 milhões de hectares, num território considerado um dos mais bem preservados da Amazônia, mas cortado pela rodovia federal BR-174 desde a década de 70, época da ditadura militar.
“O povo Waimiri-Atroari é o coração do projeto. Eles sabem tudo sobre a vida silvestre local. Eles conhecem a ecologia dos animais. Eles conhecem os padrões temporais e espaciais. E isso foi fundamental para nós estabelecermos o projeto Reconecta aqui.”
A construção da rodovia desencadeou aumento do desmatamento ilegal, sendo mortal para vida selvagem, e resultou no caso mais grave de genocídio de povos indígenas da história do Brasil, segundo a ONU.
Quando, em 2022, Fernanda e sua equipe surgiram com a proposta de construir 30 pontes artificiais nas copas das árvores para restaurar a conectividade da floresta para a vida selvagem, mais de 150 indígenas Waimiri-Atroari participaram do projeto ao longo de um trecho de 125 km da referida rodovia.
Como contei mais acima, as pontes já foram usadas por oito espécies arbóreas, entre eles o sagui-de-mão-dourada pelo qual este povo tem um apreço especial, que é o usuário mais frequente.
Cada uma delas é monitorada por duas armadilhas fotográficas, que registram os animais se aproximando, atravessando ou evitando as pontes. A equipe registrou 500 travessias bem-sucedidas ao longo de um período de 11 meses, número que eles esperam que aumente à medida que os mamíferos se acostumem às construções, que consistem em cabos de aço, cordas e redes de nylon, e ancoradas por postes de concreto.
Foram utilizados dois designs de pontes: uma horizontal em cruzeta e outra com um único cabo de aço envolto em corda trançada. Ambas são parte de experimento que revelará qual o design preferido por diferentes espécies. Em apenas 30 dias após a instalação, as pontes foram utilizadas por espécies que demostravam sua preferência por um ou outro modelo.
O que Fernanda fará com o prêmio?
Fernanda conta que, o custo dos materiais utilizados foi, em média de cerca de R$ 10,5 mil por ponte. Agora, com o financiamento do prêmio Whitley (leia outras informações mais adiante), ela planeja medir o sucesso das pontes em aumentar a conectividade do habitat para espécies arbóreas e reduzir a mortalidade por atropelamento na BR-174.
Foto: Smithsonian´s National Zoo and Conservation Biology Institute
Também planeja expandir o projeto para Alta Floresta, cidade fronteiriça localizada no estado de Mato Grosso, onde podem ser encontradas oito espécies de primatas, cinco delas em perigo especificamente devido à perda de habitat natural, fragmentação da floresta e colisões nas estradas. São eles: Zogue-zogue-de-Alta-Floresta, Macaco-aranha-preto, Mico-de-Schneider, Bugio-ruivo-de-Spix e Bugio-ruivo-do-Purus.
Sua equipe identificou cinco locais onde as pontes na copa das árvores são imperativas para a reconexão da fauna nessa região. E Fernanda ainda espera garantir o apoio do governo federal para esse trabalho.
Como parte de seu objetivo de estabelecer uma cultura de infraestrutura sustentável, a bióloga conta que também planeja treinar mais de 200 pessoas de órgãos federais de transporte e meio ambiente que trabalham com licenciamento ambiental para rodovias em nove estados da Amazônia brasileira.
Fernanda também revela quer se reunir com Marina Silva, ministra do Meio Ambiente do Brasil, e Renan Filho, Ministro dos Transportes, para discutir o potencial de expansão do Projeto Reconecta para outras rodovias na Amazônia e em outros biomas florestais pelo Brasil.
O prêmio e os outros 4 vencedores
Desde que o Prêmio Whitley foi lançado, em 1994, mais de 200 conservacionistas em 80 países foram agraciados pelo Fundo Whitley para a Natureza (WFN), instituição de caridade do Reino Unido que apoia líderes de conservação nos países do Sul Global.
Pioneiro, o WFN foi uma das primeiras entidades a direcionar financiamento diretamente para projetos liderados por pesquisadores dos países em que atua. Seu rigoroso processo de candidatura identifica indivíduos inspiradores que combinam ciência mais recente com ação baseada na comunidade.
Os vencedores recebem financiamento, treinamento e visibilidade, incluindo curtas-metragens narrados por Sir David Attenborough, embaixador do WFN.
Agora, conheça os demais vencedores dos Prêmios Whitley de 2024:
– Naomi Longa, da Papua Nova Guiné, protege os recifes de coral na Baía de Kimbe e cria uma rede de áreas marinhas protegidas lideradas por mulheres indígenas locais;
– Dr. Aristide Kamla, de Camarões, restaura o habitat do peixe-boi-africano no Lago Ossa, enfrentando ameaças de espécies invasoras e poluição;
– Kuenzang Dorji, do Butão, protege o Langur-dourado-de-gees, em perigo de extinção, e implementa soluções para agricultores cujas plantações são alvo dos primatas;
– Leroy Ignacio, da Guiana, lidera a expansão de um dos primeiros movimentos de conservação liderados por indígenas do país para proteger o Pintassilgo-de-bico-vermelho, em perigo; e
– Raju Acharya, do Nepal, que está fortalecendo a proteção de corujas no Nepal central depois de liderar um plano de 10 anos apoiado pelo governo para proteger as aves.
E, todos os anos o júri do Prêmio Whitley escolhe um vencedor do ano anterior para receber o Prêmio Whitley Gold, no valor de £100.000 (cerca de R$ 648.100) em reconhecimento à sua contribuição excepcional para a conservação.
Além de integrar o júri, o vencedor do Prêmio Whitley Gold também atua como mentor dos vencedores do Prêmio Whitley e como embaixador internacional do sucesso da conservação.
Este ano a escolhida foi Purnima Devi Barman, da Índia, reconhecida por catalisar um movimento de dezenas de milhares de mulheres em Assam para salvar a cegonha adjutant maior.
*Conteúdo de autoria de Mônica Nunes do site Conexão Planeta
Imagem de capa: Whitley Fund for Nature (WFN)