Diário de um caminheiro pela Serra Gaúcha nos Caminhos de Caravaggio

Diário de um caminheiro pela Serra Gaúcha nos Caminhos de Caravaggio

Última atualização em 25/01/2023, 10h21min por A Trombeta

Por José Saul Martins*

Entre os dias 04 a 11 de janeiro deste ano fiz o trajeto gaúcho conhecido como “Caminhos de Caravaggio”, quando percorri 188 km. Como foi feito em 2022 com o “Diário de um caminheiro em 300 km no Caminho da Fé”, também produzi um conteúdo em forma de diário com fotos e breves resenhas desta empreitada em 2023.

A narrativa em primeira pessoa e o espaço temporal foram mantidos, com a finalidade de resgatar e apresentar aqueles momentos de dificuldades, reflexões, introspeções, contemplações e risos do caminho. No entanto, foram adicionados mais detalhes e dados aos “textinhos diários” republicados neste site.

Para contextualizar o leitor é interessante falar um pouco sobre esse caminho. Segundo o site oficial Caminhos de Caravaggio a rota sulista tem um percurso de 200 km, de Canela a Farroupilha ou de Farroupilha a Canela, que leva vários dias para ser concluído e são exemplos do que se chama de ‘turismo lento‘, que teve como precursor e exemplo como viés turístico o Caminho de São Tiago de Compostela na Espanha.

Caravaggio é um vilarejo, pertencente município gaúcho de Farroupilha situado na região metropolitana da Serra Gaúcha. Neste pequeno núcleo urbano está localizado o Santuário de Nossa Senhora do Caravaggio. A devoção católica a Maria, mãe de Jesus, no local começou juntamente com a colonização italiana da região por volta de 1875, quando teve início a grande diáspora europeia rumo ao então Brasil Imperial. Vale lembrar que há na Itália uma localidade com a mesma denominação e com o mesmo culto a Nossa Senhora de Caravaggio.

Apesar de no site constar 200 km, em nossa marcação constou 188 km tendo em vista o cancelamento de nossa hospedagem no seminário, deixamos de percorrer 8 km (ida  e volta da trilha original), o que daria 196 km.

DIA 1 – Catedral de Pedra

Parque do Saiqui – Santuário de Caravaggio em Canela a Pousada Colina de Pedra em Gramado –  04/Jan 36 km

Saímos às 6h do ponto zero do caminho em Canela. Café reforçado seguimos em frente por mais de 20km de área urbana e trecho movimentado de veículos. Interessante que por onde passamos na área rural as vias recebem nomes de ruas e as propriedades têm numeração como na cidade de Gramado. O trecho inicial parecia ser “mel na chupeta” mas o caldo entornou nos últimos 16 restantes. A curiosidade e beleza estão na arquitetura típica das construções do sul do Brasil. A Catedral de Pedra em Canela é algo surreal. O caminho com seus moinhos e casas centenárias. As 13h paramos na venda do descendente de alemão Carlos Eninger e almoçamos pão com ovo. Nossa parada final de hoje foi no alto da serra na Pousada Colina da Pedra depois de vencer um tope íngreme de 4km. Conhecemos um casal de peregrinos na pousada, a Paula e o Claudio que caminhará com a gente amanhã. Grau de dificuldade de 0 a 10 foi 7. Amanhã sairemos as 7h30 e caminharemos por 20km com 8km de tope bravo. Daqueles de tirar o fôlego. Literalmente. Bora.

Colaboração fotográfica: Silvio Silvestre e Daniela Kieling

DIA 2 – O  companheiro Caramelo

Pousada Colina de Pedra em Gramado a  Pousada Dona Solange em Vila Oliva em Caxias do Sul –  05/Jan 21 km

Logo pela manhã após o café tivemos a notícia que o trecho seria bravo. Como acordo cedinho fui com o Caramelo ver os parreirais, claro degustei algumas uvas. Esperamos o café da manhã na pousada. Acho que a copeira sacou é nós chamou antes. A Dani e o Silvio dormiam. Saímos e o esposo da Paula, os novos componentes do grupo, teve problemas e veio de carro. Pelo caminho a ideia era de rechaçar Caramelo a voltar a pousada, mas ele ia a frente, como um batedor. Paisagens maravilhosas e até uma caranguejeira atravessando o caminho sob uma paz enorme. Dei uma prosa com ela e disse pra tomar cuidado, pois poderia ser atropelada com todos aqueles pelos no dorso e patas. Linda. A ponte, o chimarrão e a bicada do Caim na bebida das pescadores. Caramelo junto. Trecho grande sem apoio. Água escassa. Duas rampas lazarentas de duras. Chegamos ao vilarejo gaúcho Vila Oliva. Na Pousada Dona Solange e nós recebeu com um abraço de causar inveja a qualquer parente (risos). – vou preparar um almoço pra vocês – no sotaque sulista. Lugar simples, maravilhoso e aconchegante. Amanhã folgaremos e no sábado faremos 31 km. O cachorro Caramelo chegou com a gente. Outras histórias.

Colaboração fotográfica:  Daniela kieling, Paula Freire e Silvio Silvestre.

DIA 3 – Capa da gaita

Pousada Dona Solange em Vila Oliva em Caxias do Sul  a Hospedaria Bom Pastor em Nova Petrópolis –  06/Jan 31 km

As 5h em ponto dona Solange já estava com café pronto. Devido a um recalculo de rota ficamos um dia de folga na pequenina Vila Oliva. Fizemos um belo almoço com direito a churrasco com o traquejo do Claudio 1. Dona Solange e sua irmã Clair fizeram maionese, salada e um arroz branco. O Volnei esposo da pensioneira contou um causos que rachamos de rir. Era cada causo de arrepiar cabelo de chão de barbearia. Nos despedimos sob lágrimas. A gente fica tão sensível no caminho que tudo é motivo para emoções. A Paula e o Claudio 2 saíram no dia anterior. Caramelo retornou nesta madrugada a Pousada Pedra da Colina, antes que o Volnei o levasse de moto.

O caminho de hoje foi maravilhoso. Vistas e emoções fantásticas. O café e a foto com o bodegueiro Guerino Costa. Uma simpatia de pessoa. Com seus 82 alertou que ali seria o último ponto de apoio no restante do trajeto de hoje. De fato foi. Além de uma descida bruta com várias tentativas e um tombo de bunda (eu). Passamos pela ponte do Rio Caí com sua corredeira. Pegamos a subida com mais de 7km que arrebentou a gente. Eita lugarzinho distante essa tal de Hospedaria Bom Pastor localizada em uma vila no município de Nova Petrópolis. Puta que pariu não chegava nunca. O grupo chegou só a capa da gaita. Fomos recepcionados pela simpática Greci que explicou tudo sobre num sotaque alemão. Mais a noitinha vamos bater uma vianda ou uma la minuta. Amanhã temos mais 20km até a Pousada dos Plátanos na área urbana de Nova Petrópolis. Que venha!

Colaboração fotográfica: Daniela Kieling e Paula Freire.

DIA 4 – Mamão com açúcar

Hospedaria Bom Pastor em Nova Petrópolis  a Pousada dos Plátanos em Nova Petrópolis –  08/Jan 20 km

Trechinho leve para este domingo. Poucas subidas íngremes e paisagens espetaculares. Os cachorrinhos sempre a nos dar bom dia. Uns mais ranhuras e outros desconfiados. Visitamos uma auracaria milenar. Abraçamos seu tronco. Agradeci a ela por estar aqui, pelos meus antepassados, meus descendentes e também pelos povos que aqui estiveram antes de todos. Às 12h30 chegamos a bela e aconchegante Pousada dos Platanos e fomos recebidos pelo donos Clóvis e sua esposa. Caim, Eliana, Claudio e Neide foram almoçar antes. Esperei o Silvio e a Dani e almoçamos juntos. No fim da tarde fomos conhecer o centro de Nova Petrópolis. Hora de nanar para amanhã fazer mais um trecho deste encantado Caminho de Caravaggio.

Colaboração fotográfica: Daniela Kieling e Silvio Silvestre.

DIA 5 – Feliz aniversário

Pousada dos Plátanos em Nova Petrópolis a Pousada Familia Pessi (Vila  Cristina) em Caxias do Sul –  09/Jan 25 km

Apesar de estar postando só agora devido a problemas de conexão, o post em questão está relacionado ao dia 09/01 (segunda-feira) antepenúltimo trecho do Caminho de Caravaggio. Partimos da Pousada dos Platanos em Nova Petrópolis as 7h30. Horário deveras tarde para caminheiros tendo o sol rachando o talo aqui no sul do Brasil. O caminho foi praticamente um grande declive de 9km e o restante plano. Se no Caminho da fé, ano passado pegamos chuva em demasia, neste o sol e o calor aniquila a gente. A partir das 11h é preciso muita água para hidratar. Mas muita. As vezes não tem. A partir do km 19 melhorou e achamos até uma venda pelo caminho. Abastecidos de água e barriguinhas “calçadas ” chegamos na Pousada da Família Pezzi sob um calor escaldante por volta das 14h. Nossa hospedagem numa área rural de Caxias do Sul. Daiane e seus pais nos receberam com abraços e já convidando para banhar no riacho. Uma delícia a água gelada da serra passando pelo corpo e alma da gente. Também chegou na pousada outro peregrino Pedro caminheiro do Paraná, que também faz o caminho. O jantar foi servido às 18h30 num amplo salão onde os Pezzi servem o tradicional café colonial aos fins de semana. Eles jantaram com a gente e todos cantaram pelo meu aniversário. Rimos muito. As 21h todos pro “ninho” que o penúltimo trecho é longo, 33km para quem já está cansado.

Colaboração fotográfica: Daniela Kieling, Silvio Silvestre e Cláudio Montezol.

DIA 6 – Ganhamos uvas e bebemos vinho

Pousada Familia Pezzi (Vila  Cristina) em Caxias do Sul a Vinícola Colombo em Farroupilha  –  10/Jan 32 km

Logo cedinho, mas bem cedinho saímos da Pousada da Família Pezzi. Um baita café da manhã. Seguimos nosso destino pelo caminho até a Pousada da Vinícola Colombo já em Farroupilha. Falta apenas um trecho e amanhã concluímos o Caminho de Caravaggio. Apesar de duro foi tranquilo, exceto a chegada com 4 km de subida íngreme. Mas aprendi ir devagar respirando. Pelo caminho ganhamos uvas doces e lindas do Valdir Moretti que estava na colheita com a esposa e seu piá. Teve água a vontade. Vimos figos, uvas, laranjas, pêssegos e muitas pessoas lindas dando bom dia. Bom dia! Na chegada a Vinícola Colombo o dono Antonio Colombo, lavrador, viticultor e agora pensioneiro nos recebeu pessoalmente. Depois nos levou a degustação em sua vinícola. Eu, o Silvio e Dani quase “chumbamos” por ali (risos). Voltando para a pousada fizemos um jantar regado a mais vinho. Amanhã fechamos o caminho. Mais 24km até o Santuário de Nossa Senhora do Caravaggio. Que venha.

Colaboração fotográfica:Daniela Kieling e Silvio Silvestre.

DIA 7 – Chegamos a Caravaggio

Vinícola Colombo em Farroupilha a Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio  –  11/Jan 23 km

A sensação de saber que estamos concluindo o caminho é fantástica. Mas nem de perto as sensações e emoções dos aromas das frutas, do suor escorrido pela face, os perrengues das subidas brutas, as reflexões sobre a vida e nossa breve existência. Nem de perto. Trecho de foi relativamente leve, apenas o trecho final (sempre no final) quando as energias estão no fim. Caravaggio é um simpático vilarejo no município de Farroupilha onde está o belo templo a Nossa Senhora de Caravaggio. Mais uma meta realizada. Agradeço os parceiros e parceiras: Pedro, Paula e Cláudio que estiveram com a gente um cadim durante essa empreitada. Os casais Cláudio (outro) e Neide, Zé Carlos (Caim) e Eliana, e Silvio e Dani que conheci no Caminho da Fé em 2022.

Gratidão. Viva a vida. Fim. Até outros caminhos.

Colaboração fotográfica: Daniela Kieling, Silvio Silvestre e Cláudio Montezol.

*José Saul Martins  jornalista diretor do jornal e site A Trombeta

Publicidade

Compartilhar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *