Última atualização em 05/02/2023, 20h13min por A Trombeta
Trabalho invisível feito por esses polinizadores movimenta bilhões na agricultura, mas distribuição geográfica das abelhas, segundo Vera Lúcia Imperatriz, pode ser afetada a longo prazo pelas mudanças climáticas
Dia Internacional das Abelhas é comemorado, desde 2018, no dia 20 de maio. A data, escolhida pela ONU, homenageia esses animais considerados essenciais para a agricultura. A visita dos polinizadores em muitas culturas agrícolas pode tornar os frutos produzidos mais pesados, com maior número de sementes e com um valor nutritivo diferenciado. São mais de 20 mil espécies de abelhas espalhadas pelo mundo e, no Brasil, cerca de 1.900 já foram nomeadas.
Uma das primeiras avaliações dos polinizadores, feita em escala global, em 2016, pela Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), mostrou que mais de três quartos dos principais tipos de safra (como soja e café) dependiam, de alguma forma, do trabalho dos polinizadores para garantia de rendimento ou qualidade.
As abelhas contemplam cerca de 48% desse grupo de “trabalhadores invisíveis”, que incluem também besouros, moscas e vespas. Mas ganham destaque porque seus pelos, que recobrem o corpo inteiro, permitem o transporte de grandes quantidades de pólen a cada visita às flores. No Brasil, segundo relatório da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), 91 das 191 espécies de plantas importantes para alimentação — como soja, café, laranja e maçã — são beneficiadas por esse serviço.
Valor econômico
O BPBES chegou a estimar, no relatório, um valor monetário da polinização dos cultivos nacionais em cerca de R$ 43 bilhões. Atualmente, esse valor é estimado em quase R$ 57 bilhões, de acordo com a pesquisadora Kayna Agostini, uma das autoras do documento. “Muitos cultivos ficaram de fora do cálculo, pois na época não era conhecida a taxa de dependência da polinização. Portanto, este valor do serviço de polinização para a agricultura brasileira ainda é subestimado, podendo ser maior”, diz.
Mas apesar dessa importância nutricional e econômica, segundo a professora sênior do Instituto de Biociências da USP Vera Lúcia Imperatriz, cochair do IPBES, o Brasil tem perdido a vanguarda na liderança política da biodiversidade voltada às abelhas. “No Hemisfério Norte — tanto nos Estados Unidos, como na Europa, na China, em outros lugares —, de um modo geral, todos estão superconscientes de que a abelha é um insumo. Insumo essencial. Por incrível que pareça, o mesmo não ocorre aqui no Brasil.”
Ela ainda destaca como a abordagem nas próprias escolas de agronomia por vezes não pauta a importância desse trabalho natural das abelhas. “É tão interessante: aqui, os cursos falam muito mais do controle biológico nessas áreas, o controle de pragas, mas não na polinização, que é um serviço tão importante.”
Papel das mudanças climáticas
Há também um cenário de redistribuição regional das espécies de abelhas, em função das mudanças climáticas, que pode alterar as condições de pluralidade e de homogeneidade ambiental. “Haverá menor disponibilidade de alimento nas plantas e nas flores e, dessa maneira, as abelhas também vão sofrer uma grande mudança”, diz Vera, retomando as previsões de mudanças climáticas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Os pesquisadores fazem uma modelagem para verificar quais espécies podem permanecer em determinado lugar e quantas espécies não vão ter mais um ambiente adequado à sua sobrevivência depois das alterações climáticas. “Esse é um grande problema, porque, onde foram estudadas, as abelhas sociais e solitárias nas regiões tropicais mostram que quase todas serão impactadas pelas mudanças climáticas e que a sua grande área de distribuição vai ser bastante alterada”, alerta Vera.
Texto: Jornal da USP
Imagem: Myriams/Pixabay